Páginas

domingo, 19 de janeiro de 2014

A Grande Beleza


Poeira ao Vento

Qual a verdadeira beleza da vida? Para alguns é tudo aquilo que se conquista e se constrói ao longo dos anos. Para outros é algo que se aprecia quando se tem qualidade de vida. Uma vez munido destas e inúmeras outras premissas, tão distintas em pontos de vista porém gêmeas quanto a essência egocêntrica, o ser humano parte em busca de conseguir o seu lugar ao sol.  

Para isso traça planos e estratégias, esquadrinha metas e objetivos, definindo tudo isso de acordo com a sua particular escala de valores. A qual é impressa e fixada com fita adesiva no espelho da alma, de modo a facilitar sua busca pelo que lhe faz feliz. Buscando comparar e enxergar a si mesmo em outros objetos, coisas e até pessoas que lhe encaixem feito luvas, e não o impeçam de alcançar seu objetivo. 

Mas chega um momento na vida, cedo ou tarde, em que o vento bate. E o papel com toda a sua escala de valores (desde os mais irrelevantes aos profundamente enraizados) se solta do espelho, voando para bem longe. Revelando naquele pequeno espaço por ele deixado, a imagem já desgastada de alguém que não viu o tempo passar. Alguém cuja beleza foi afetada por rugas e marcas de expressão, originarias de momentos que não sabe precisar quando ocorreram.  

Porém, mais perturbador para ele que a flacidez da pele ou as dores que demoram a passar, são as luvas que veste. Pois estas o levarão ao questionamento de que, até que ponto tudo aquilo, em que por um longo tempo se agarrou, era verdadeiramente a sua felicidade e não uma simples sensação de conforto. Como permaneceu demasiadamente focado em algo tão frágil, e não enxergou o que realmente estava ao seu redor? Questões que jamais encontrarão respostas pois, como na letra da música cujo título ilustra o nome desta resenha, nem todo o dinheiro que tiver conseguirá comprar um minuto de volta no passado, para saber aonde errou e acertou. 

Tudo o que nos resta enquanto seres de breve existência é caminhar, aproveitando cada momento da vida e de sua perene beleza. Transformando o "piscar de olhos" do nosso viver numa constante ação sedutora, capaz de conquistar ao final da vida a difícil alegria, que nos permita reconhecer que, de fato, vivemos.


Sobre o filme

Toni Servillo dá vida ao escritor Jep Gambardella que reflete sobre a vida.

O filme começa com a festa de 65 anos do renomado escritor Jep Gambardella (Toni Servillo) que, em meio a música alta e a alegria dos amigos e convidados, tem um momento introspectivo ao perceber como, até aquele momento, sua vida tinha sido tão fútil e insignificante. Dias depois, a notícia de que Elisa (Annaluisa Capasa), o primeiro amor de sua vida, havia morrido o desnorteia ainda mais. Lançando-o numa crise existencial, onde iniciará uma busca pelo real sentido da vida. 

A obra de Sorrentino é maravilhosa sob vários aspectos, dentre os quais destaco aqui todo o denso complexo emocional construído em torno de seu personagem central (um Servillo ávido, perfeito no papel que lhe rendera o prêmio de melhor ator europeu). Uma atmosfera inquietante e frágil, que abrange desde suas novas dúvidas e anseios pessoais, aos dramas vividos e compartilhados por seu núcleo de amizades (destaque para a incrível cena em que Jep desmascara a amiga Stefania, vivida pela atriz Galatea Ranzi)

No entanto, o que realmente difere a jornada em busca do "eu no mundo" de Sorrentino (e foi crucial para os prêmios recebidos de melhor filme europeu e o globo de Ouro de melhor filme em língua estrangeira) é que, ao contrário dos muitos que o antecederam, sua desmitificação ganha um contexto sociocultural mais profundo e abrangente. Permeando âmbitos diversos como a família, o casamento, a religião e a própria arte, este consegue estabelecer com louvor sua proposta de tirar o chão do espectador, convidando-o a flutuar para ter uma verdadeira visão sobre tudo aquilo que norteia as nossas vidas. 

Jep pensando como conceitos e valores mudam ao longo dos anos.
Quanto ao lado técnico do filme, destaque para a ambientação e fotografia luxuosa da Roma contemporânea. A qual ganha movimento e ritmo propícios para a dramática jornada de seu personagem com uma edição digna do prêmio europeu recebido. Além de um preciso trabalho de figurino que prescreve magnificamente o glamour da alta sociedade italiana. 

Para todos os efeitos, A Grande Beleza é uma obra incrível e complexa que consegue ir além das pretensões do tema. Superando as expectativas do espectador mais cético ao mais crédulo, do mais tímido ao mais extrovertido, do mais simples ao mais requintado. Um filme para todos os tipos e gostos, assim como a vida e toda a diversidade nela inscrita. A qual preenche o nosso cotidiano de maneira grandiosa, mas só é bela aos sensíveis de coração. 


Título Original: La Grande Bellezza
Direção: Paolo Sorrentino
Ano: 2013
País: França/Itália
Gênero: Comédia/Drama
Sinopse: O escritor Jep Gambardella (Toni Servillo) reflete sobre sua vida. 65 anos de idade e, desde o sucesso de seu romance escrito décadas atrás, não escreve mais. Vivendo apenas entre as festas, os luxos e privilégios de sua fama. Ao lembrar de um amor da juventude, cria forças para mudar sua vida, e talvez, voltar a escrever. 
             

Nenhum comentário:

Postar um comentário